Vinte anos de reclusão, em regime inicial fechado, por tentativa de homicídio e feminicídio. Este foi o resultado da sessão de julgamento no Tribunal de Júri, realizado nesta terça-feira (14), na comarca de Costa Rica, sob a presidência do juiz Francisco Soliman.
Segundo o processo, o réu foi denunciado por homicídio tentado qualificado, com emprego de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima, além de feminicídio com incidência da causa de aumento pela prática do crime na presença física do descendente da vítima, como previsto no art. 121, § 2º, III, IV e VI, combinado com 7º, III, e art. 14, II – todos do Código Penal.
O crime ocorreu na noite do dia 6 de abril de 2021, quando a vítima assistia a novela, sentada no sofá, e foi surpreendida pelo réu, que a acusou de falar mal dele. Depois da acusação, o homem foi ao quarto da filha do casal e a acordou.
Assustada, a mulher foi até a cozinha pegar o celular para acionar a polícia, quando foi atacada com vários golpes de faca pelo corpo: abdômen, pescoço e, na tentativa de se defender, protegeu-se com as mãos, atingidas severamente pelos golpes. Depois de mais de 15 golpes, o réu arrastou-a pela casa e jogou-a no quintal, arremessando a arma do crime para cima do telhado.
Apesar de muito ferida, a mulher arrastou-se até o celular e acionou a polícia. Os bombeiros prestaram os primeiros socorros antes de encaminhá-la para o hospital, evitando sua morte. A vítima permaneceu no hospital por 13 dias e, como consequência do ataque, perdeu os movimentos da mão direita, de dois dedos da mão esquerda e teve um pulmão perfurado, tendo a tentativa de crime sido presenciada pela filha do casal. O réu foi preso em flagrante, em audiência de custódia dois dias depois do crime, e teve a detenção convertida em prisão preventiva.
O juiz apontou na sentença ter verificado que a situação narrada na denúncia não referenciou ato isolado na relação convivencial mantida entre o réu e a vítima. Houve uma escalada progressiva de violência praticada pelo acusado, ao longo de três anos de relacionamento.
“A escalada foi iniciada por violência psicológica, consistente em xingamentos e ameaças da prática de mal injusto e grave, passando por violência sexual (obrigação de manter relação sexual contra a vontade da vítima) e violência física, primeiro lesão corporal (esganadura) que ensejou o registro de ocorrência BO, e a concessão de medidas protetivas de urgência, posteriormente revogadas a pedido da vítima, e por último a tentativa de matá-la”, escreveu Soliman.
Para o magistrado, tal cenário evidencia que, para além do comportamento proibido contido no tipo penal, a conduta do réu revela elevada intensidade no dolo, impondo a valoração da culpabilidade enquanto circunstância judicial, ensejando maior censura penal à conduta criminosa.
As consequências do crime também foram valoradas pelo juiz, quando este considerou que a vítima necessitou submeter-se a vários procedimentos médicos para sobreviver, inclusive cirúrgicos, resultando como sequelas a debilidade permanente de um dos membros superiores – perda do movimento de dois dedos da mão direita – e cicatrizes pelo corpo na região das mãos, braços, ombro, peito, abdômen e pescoço, em notório dano estético. “Há que se ressaltar ainda que a vítima está impossibilitada de trabalhar, não obteve benefício previdenciário ou assistencial, e sobrevive com auxílio de terceiros”, escreveu.
Ao final, ele apontou que a situação não admite a substituição da pena privativa de
liberdade e não permite a suspensão condicional da pena, por isso, negou ao réu o direito de recorrer em liberdade, uma vez que persiste o motivo ensejador da decretação da prisão preventiva, qual seja, a necessidade da segregação cautelar para a garantia da ordem pública.
“E levando em conta a gravidade do fato e a extensão do dano à vítima, na medida em que amargou sequelas definitivas (mobilidade, sensibilidade e perda parcial de movimento da mão direita e cicatrizes pelo corpo), fixo em R$ 12.120,00 – equivalente a 10 salários-mínimos, o valor mínimo para reparação dos danos morais, cujo montante deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC a partir desta sentença e acrescido de juros de mora de 1% ao mês. Lance-se o nome do réu no rol dos culpados”, concluiu.
Relatório – O caso, que causou grande comoção na sociedade costarriquense e é mais um crime que abrange o feminicídio em Mato Grosso do Sul, foi julgado pouco mais de 10 dias depois que a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar lançou a 3ª edição do Relatório do Poder Judiciário sobre Feminicídio.
O relatório considerou processos que ingressaram na Justiça em 2021, mas não necessariamente se referem a crimes cometidos naquele ano. Foram analisadas 89 ações penais de feminicídio distribuídas entre 2017 e 2021, sendo destas 61 de crimes cometidos em 2021, representando 68% dos casos, em 33 comarcas, incluindo-se Costa Rica. Importante salientar que as informações constantes no relatório referem-se a fatos consumados e tentados.
Da análise foi possível contabilizar 62 mulheres vítimas de feminicídio tentado e 30 mulheres vítimas de feminicídio consumado. Também foi objeto de análise o local exato onde os crimes ocorreram e os dados revelam que em 59% das ações os crimes ocorreram na residência da vítima, no local onde coabitava (ou não) com o agressor. Ainda segundo o relatório, 95% dos feminicídios são praticados no contexto da violência doméstica e familiar e, na maioria, os criminosos são companheiros (41) e ex-companheiros (30) das vítimas.
O relatório traz ainda a motivação desses crimes e a motivação está alinhada ao tipo de relacionamento entre a vítima e agressor. Sobre o objeto ou meio empregado para o crime percebe-se que nos casos de feminicídio estes são variados. No entanto, prevalece a faca e a arma de fogo como principais objetos utilizados.