O Museu Histórico Nacional, em reforma desde dezembro do ano passado, reabre em parte na próxima quinta-feira (13) com a exposição Para além da escravidão: construindo a liberdade negra no mundo. A curadoria é compartilhada com museus dos Estados Unidos, África do Sul, Senegal, Inglaterra e Bélgica.
“Todo mundo participou da concepção e da circulação dos objetos que estarão expostos”, explicou à Agência Brasil a historiadora e curadora brasileira da exposição, professora Keila Grinberg.
Notícias relacionadas:Encontro no Museu Afro do Rio traz força das macumbas na MPB.Museu do Ipiranga lança podcast com olhar crítico sobre sua história.Museu do Pontal traz exposições e celebra ancestralidade negra no Rio.“É uma exposição sobre escravidão atlântica, global. Ela mostra primeiro como a escravidão é um fenômeno global e como ela envolveu todos os países do mundo Atlântico nos séculos 15 a 19, mas também mostra que a escravidão está muito ligada no momento presente. Daí o nome Para além da escravidão, pensando as conexões com o presente”, destacou Keila.
Protesto contra o Apartheid em Soweto/África do Sul (1976). Foto: Crédito/ Divulgação
A exposição é gratuita e ficará aberta à visitação até o dia 1º de março de 2026.
Como a mostra não se prende só ao passado, mas repercute também no presente, uma das coisas que o público vai aprender é que as consequências da escravidão existem em vários lugares ao mesmo tempo, segundo a curadora.
Keila ressalta que houve resistência à escravidão e ao colonialismo em vários países. “E essas formas de resistência têm conexão umas com as outras”.
De acordo com a curadora, o subtítulo “construindo a liberdade negra no mundo” deixa isso bem claro ao reunir peças religiosas, peças de música, como um atabaque do Haiti, por exemplo.
A exposição destaca também as questões contemporâneas. “Por exemplo, tem uma parte, no final, que tem discussão sobre reparação, sobre justiça ambiental e efeitos raciais. Tem uma parte que fala de violência policial, e por aí vai”.
A conclusão, analisou a historiadora, é que a escravidão, como existiu no passado, não existe mais. Mas as consequências, na forma do racismo, principalmente, continuam existindo.
“Eu acho que o grande lance é perceber as estruturas e, também, a luta contra elas. A ideia da exposição, apesar dela ser dura, é que a pessoa sai de lá empoderada com as possibilidades que as várias formas das experiências humanas contra o racismo trazem, embora não se possa falar de esperança no Rio de Janeiro, hoje em dia”.
A ideia, de acordo com a curadora, é mostrar o alcance dos problemas e a possibilidade de mudanças.
A estreia global da mostra ocorreu em dezembro de 2024, no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington, nos Estados Unidos.
A mostra reúne cerca de 100 objetos, 250 imagens e dez filmes, divididos em seis seções. Do Museu Histórico Nacional, a mostra seguirá para a Cidade do Cabo, na África do Sul; Dakar, no Senegal; e para Liverpool, na Inglaterra.
Protesto do movimento Black Lives Matter/EUA (2021). Foto: Crédito/ Divulgação
Atividades paralelas
Em parceria, o museu e o Arquivo Nacional promoverão o seminário internacional Para além da escravidão: memória, justiça e reparação, nos dias 13 e 14, na sede do Arquivo Nacional, na Praça da República, região central do Rio de Janeiro.
Com curadoria também de Keila Grinberg, o Arquivo Nacional abrigará a exposição Senhora Liberdade: mulheres desafiam a escravidão, exibindo documentos do acervo da instituição que revelam histórias de dez mulheres escravizadas que entraram na Justiça contra os seus senhores, no século 19.
“Nem todas ganharam a liberdade, mas todas tentaram. Isso é muito importante porque são histórias pouco conhecidas, de mulheres que desafiaram os senhores, a Justiça e foram atrás”.
O público poderá visitar essa exposição de segunda a sexta-feira até o dia 30 de abril do próximo ano. A entrada é gratuita.
Além dessa exposição, o Instituto Pretos Novos vai hospedar uma parte do processo de pesquisa feito para a exposição que está no Museu Histórico Nacional. É um projeto de pesquisas feitas com as mesmas perguntas nos seis países participantes. Daí o nome Conversas inacabadas.
“A ideia é exatamente essa que as conversas reverberam no presente. São várias entrevistas sobre como as pessoas veem o racismo, desde quando passaram a ter a ideia de consciência racial, por exemplo”.
Essa exposição no Instituto Pretos Novos ficará aberta do dia 14 a 15 de dezembro.
Cartaz da Conferência Pan-Africana (1900) ) Foto: Crédito/ Divulgação
Simbolismo
A professora Keila Grinberg considera muito simbólico que o Brasil seja o primeiro lugar de destino da exposição, após o museu inicial norte-americano, porque o país tem uma tradição de estudos muito forte nesse campo.
“E isso mostra o respeito e a importância internacional que os estudos no Brasil têm. É muito importante porque é uma área em que o Brasil se destaca enormemente”, ressalta
De todos os países que tiveram escravos africanos, o Brasil foi o que recebeu a maior quantidade. “Recebeu cerca de 45% dos africanos escravizados. Quase a metade do total veio só para o Brasil. Os Estados Unidos receberam 5%”, lembra Keila.
“A escala e a centralidade da escravidão no Brasil são sem precedentes. Por isso, a gente não entende nada da história do Brasil se não entender a escravidão. Ela é elemento central para se entender a história do Brasil”, explica.
No total, cerca de 12 milhões de pessoas, em 300 anos, foram sequestradas, vendidas e escravizadas. Na exposição, o público terá oportunidade de entender a dimensão do que ocorreu. Os escravos eram procedentes das regiões da África Central, da qual fazem parte o atual Congo e Angola; e da África Ocidental, que envolve Senegal, Benim e Nigéria.
“Eu falo sempre para meus alunos: tem duas coisas que eles precisam entender para compreender a história do Brasil. Uma é que teve escravidão. Ninguém vai saber nada sobre o Brasil se não entender isso. Mas a outra, tão importante quanto, é que a escravidão acabou”.
A curadora acredita que, assim, será possível fazer com que o racismo, que se acha tão arraigado no país, também acabará.
Keila Grinberg é professora na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Irmandade da Boa Morte/Brasil (1983). Foto: Crédito/ Divulgação