Em meio à crise humanitária e ao cenário de destruição em Gaza, professores universitários ainda persistem, gravando aulas para que os alunos assistam de maneira remota e deixando conteúdos anotados para eles em pequenas bibliotecas locais. É o que revelou a professora titular dos departamentos de Engenharia Elétrica e Sistemas Inteligentes da Universidade Islâmica de Gaza, Hala El-Khoondar, em uma palestra durante a 17ª Conferência Geral da Academia Mundial de Ciências, que terminou na quinta-feira (2), no Rio de Janeiro.
“Estudar on-line pode garantir que os alunos não percam sua formação e é um modo de escapar da terrível realidade. Por outro lado, não é justo, porque não é possível para todos”, desabafou a cientista.
Notícias relacionadas:Trump diz que Israel precisa parar de bombardear Gaza imediatamente.Hamas concorda em libertar reféns israelenses seguindo plano de Trump .Brasil cobra de Israel libertação de brasileiros detidos em flotilha .De acordo com ela, ao esforço dos professores se soma a resistência dos estudantes, que continuam com suas vidas ameaçadas e precisam dividir seu tempo entre os estudos e as filas para comida e água e para carregar celulares e computadores, nos poucos locais abastecidos com energia solar.
Hala El-Khozondar comoveu a plateia de mais de 300 cientistas de todo o mundo, ao contar a trajetória de resistência dos pesquisadores e estudantes de Gaza, que têm convivido com bombardeios e restrições há muitos anos. A ofensiva mais recente do Estado de Israel contra a região destruiu inúmeros centros de estudos, incluindo a Universidade Islâmica de Gaza, que tinha em torno de 18 mil estudantes.
O conglomerado de ensino e pesquisa abrigava cerca de 200 laboratórios científicos e 20 institutos, além de um hospital. Dez cursos superiores eram ministrados na Universidade de Gaza, incluindo medicina, engenharia e artes. O presidente da instituição, Sufyan Tayeh, foi uma das vítimas dos bombardeios. Ele foi morto com a família em dezembro de 2023, em um ataque aéreo israelense contra o campo de refugiados de Jabalia.
“É preciso sair de Gaza para fazer pesquisa, pois lá não há mais infraestrutura. E é preciso encontrar uma universidade que o receba”, lamentou a pesquisadora.
Ela ressaltou as dificuldades de sair da região, já que as fronteiras são controladas por Israel, e o aeroporto de Gaza também foi destruído.
Especialista em soluções inovadoras para sistemas de energia solar e em fibras e sensores ópticos, Hala El-Khozondar vive atualmente na Inglaterra e trabalha no Imperial College. “Para mim, é muito sofrido. Não posso aguentar perder meus alunos a cada semestre”, disse, emocionada.
Laboratório da Universidade Islâmica de Gaza antes de bombardeios – Foto: Hala El-Khoondar/Arquivo pessoal
Conferência
A 17ª Conferência da Academia Mundial de Ciências (TWAS na sigla em inglês) reuniu centenas de pesquisadores do chamado Sul Global, para discutir o fortalecimento da ciência nos países da região e temas emergentes como a regulação das ferramentas de inteligência artificial, mudanças climáticas e segurança alimentar.
Além de realizar sua conferência anual no Brasil, a TWAS, pela primeira vez, é dirigida por um brasileiro, o físico e ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas, Marcelo Knobel.
“Nós temos uma agenda muito positiva de intercâmbio entre as academias dos países do Sul Global e realmente é uma necessidade, porque a geografia da ciência está mudando. Hoje, 60% da ciência produzida no mundo é feita nos países de renda baixa e média. Mudou muitíssimo nos últimos anos e é uma configuração que realmente está em evolução”, destacou o diretor da Academia Mundial de Ciências.
A conferência também marcou a entrega dos prêmios concedidos pela TWAS a dois cientistas brasileiros, considerados referência mundial em suas áreas. A socióloga Maria Cecília Minayo foi agraciada na área de ciências sociais, e o físico Luiz Davidovich recebeu o grande TWAS-Apex, dedicado este ano à ciência e tecnologia quânticas.
O evento foi organizado pela Academia Brasileira de Ciências, que é membro da TWAS, com patrocínio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e apoio da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).