Por volta de 1855, o Rio de Janeiro estava no período imperial. Foi nesse contexto que um jovem fotógrafo português subia às escadas do sobrado da Rua do Ouvidor, onde montaria o seu estúdio. Joaquim José Insley Pacheco instalava ali mais do que um ofício: fundou uma maneira de olhar o Brasil.
Um século depois, sua obra volta a ganhar corpo e brilho em O Espelho de Papel – A fotografia de Joaquim Insley Pacheco na coleção do IHGB (Capivara, 2025), livro de 160 páginas com texto do historiador e pesquisador baiano Daniel Rebouças e apresentação de Pedro Corrêa do Lago.
A publicação, fruto de parceria entre a editora Capivara e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, reúne mais de 400 imagens, foi álbum do século XIX, tecido de memórias, luz e papel.
“A coleção do IHGB guarda parte do imenso legado de Insley Pacheco para a fotografia no Brasil”, observa Rebouças. O pesquisador se debruçou sobre jornais, arquivos e retratos para reconstruir a trajetória do homem que transformou o retrato em arte e status. Na pesquisa do escritor, a descoberta de que foi Insley quem introduziu no país as principais inovações técnicas da época, da carte de visite (pequenos retratos colados em cartões), às fotografias sobre porcelana, vidro e marfim. Um inventor da pose, do gesto e do instante.
Caçula de três irmãos, órfão ainda menino, Insley Pacheco migrou de Portugal para o Brasil e encontrou na luz uma forma de destino. Antes de firmar-se no Rio, passou por Fortaleza, São Luís e Recife — cidades que o moldaram tanto quanto ele as capturou com sua câmera fotográfica.
Em Nova York, foi aprendiz de Mathew Brady, o fotógrafo que eternizou os rostos da Guerra Civil Americana. De Brady, aprendeu o valor do retrato como vitrine, espetáculo e poder. Quando voltou ao Brasil, trouxe consigo um olhar cosmopolita. Incorporou “Insley” ao nome profissional — gesto simbólico de quem queria se alinhar aos mestres estrangeiros — e inaugurou seu estúdio na Rua do Ouvidor, o coração elegante da capital. Ali, sob a luz difusa das janelas e o cheiro de produtos químicos, posaram figuras da elite, políticos, artistas, dândis e senhoras que viam na fotografia uma forma de permanecer.
Em 1857, Pacheco foi nomeado fotógrafo oficial da Casa Imperial. D. Pedro II, entusiasta da ciência e da imagem, reconhecia nele um artista capaz de traduzir o espírito de seu tempo: o Império visto através do vidro da lente. A cada retrato, Pacheco compunha uma narrativa de elegância e autoridade, transformando a fotografia em espelho social — uma forma de dizer quem se era e quem se queria ser.
Mas o fotógrafo não se limitou à técnica. Foi também pintor e aquarelista, amigo de artistas como Arsênio da Silva e Antônio Parreiras. Sua obra atravessa fronteiras entre artes visuais e ofício, entre documento e invenção. No desenho de Ângelo Agostini, é possível vê-lo ao lado do imperador, contemplando uma exposição. Dois homens unidos pelo fascínio da imagem.
A vida de Insley Pacheco foi marcada por brilho e sombras. Viúvo desde 1877, perdeu o filho — o engenheiro Alfredo Pacheco — em 1895, no mesmo ano em que mudou o endereço do estúdio. Mesmo assim, não abandonou a criação. Enviou dezenas de pinturas e aquarelas para os salões do início do século XX, continuando a se reinventar até pouco antes da morte, em 1912.
Retratos do escritor José de Alencar e do compositor Carlos Gomes no livro “O Espelho de Papel”, com imagens feitas por Joaquim Insley Pacheco, fotógrafo oficial da Casa Imperial de 1857 até a República. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Ainda assim, sua arte permaneceu como testemunho de uma época. Na Exposição Universal de Chicago, em 1893, representou o Brasil com uma grande amostra de daguerreótipos e retratos. Em 1900, foi convidado para as celebrações dos 400 anos do “descobrimento”. Morreu reconhecido, com a serenidade de quem sabia que a luz — uma vez capturada — não se apaga.
Para Daniel Rebouças, estudar Insley Pacheco é revisitar a gênese da nossa cultura visual. “A fotografia no Brasil se tornou, por excelência, a forma do registro de si e das memórias familiares, da construção de nossas identidades sociais”, escreve o historiador.
Seu livro devolve ao público não apenas o rosto de um artista, mas também o retrato de um país em formação — um Brasil que aprendeu a se ver, a se imaginar e a se lembrar por meio da fotografia. Nas páginas de O Espelho de Papel, o passado reflete o presente: cada retrato é um lampejo do tempo, cada olhar, uma pergunta sobre o que resta quando a imagem permanece.